Onde está D'us
Onde está D’us?
O Rabino Nissan Mangel só tinha onze anos em 1945, mas ele já tinha vivido o inferno. Enquanto os exércitos russos e americanos se aproximavam dos campos, os nazistas tentavam destruir as provas evidentes dos seus atos monstruosos, exterminando especialmente os últimos sobreviventes.
O campo de Gunzkirshen estava localizado numa densa floresta. Havia 1800 judeus empilhados num barracão da sorte, onde o frio e o vento se infiltravam cruelmente e onde eles tinham lugar apenas para sentar, todos encolhidos, no chão.
As tropas alemães se davam conta que os exércitos de libertação iam descobrir sua terrível bestialidade. Os nazistas decidiram então não alimentar mais os desgraçados deportados para que não haja mais testemunhas. Como fizemos para sobreviver?
Aqueles que ainda podiam caminhar se arrastavam pela floresta para colher qualquer inseto: há muito haviam perdido o nojo por essas criaturas rastejantes. No final de alguns dias, centenas de prisioneiros já haviam sucumbido: os sobreviventes não tinham outra escolha além de sentar sobre as pilhas de cadáveres, insensíveis ao horror que os rodeava.
Alguns dias antes da liberação, os nazistas permitiram à Cruz Vermelha trazer comida aos judeus. Foram instaladas grandes mesas e durante apenas uma horinha, a comida foi distribuída. Não se podem descrever as lutas que isto provocou: esta gente esfomeada tinha ficado histérica, e cada um tentava deslizar para perto das mesas.
Não sei como consegui chegar. Mas quando vi toda essa comida, fiquei sabendo que minhas mãos estavam inchadas pela fome e que eu não poderia levar nenhum alimento. Mas eu queria levar um pouco para o amigo que tinha salvo a minha vida tantas vezes. Decidi então fazer na minha camisa uma espécie de bolso no qual coloquei tudo o que pude.
Um homem alto se aproximou de mim e me disse: “Você é jovem, as pessoas vão tentar te roubar. Eu vou te acompanhar até o barracão”. Eu estava tão feliz por ter encontrado ajuda! Mal demos alguns passos o homem se atirou sobre mim e levou o alimento.
Quando os outros prisioneiros viram isso, se jogaram sobre mim, rasgaram minha camisa para encontrar mais uma migalha e me fizeram rolar na lama preta. Eu os teria perdoado pela comida mas na batalha ele me haviam atirado com o rosto no chão, e eu fui obrigado a inalar o terrível cheiro da lama, enquanto me debatia para respirar.
Eu me dizia: “Sobrevivi às câmaras de gás mas esta sufocação será minha câmara de gás!”. Finalmente consegui me libertar e, esgotado, mãos vazias, reencontrei meus companheiros. Eu estava quase morto.
Alguns dias depois estava no limite das minhas forças. Supliquei ao meu amigo que me trouxesse algo para comer, um verme ou um escaravelho. Ele voltou um pouco mais tarde com duas beterrabas. Não podia crer o que via. De onde as havia obtido?
Ele me disse que a cozinha estava aberta, que os orgulhosos soldados alemães haviam fugido para a floresta abandonando suas armas e seus uniformes para escapar dos Aliados. No meio da noite, fugimos para a floresta. Ao amanhecer, percebemos que havia milhares de judeus, esqueletos ambulantes, dirigindo-se para a cidade.
De repente, percebemos um tanque. Instintivamente tentamos fugir mas nos demos conta que eram americanos. Corremos para eles, suplicando-os que nos dessem comida. Os G.I. nos deram um chiclete mas nunca tínhamos visto isso antes. Tentamos mastigar essa pasta elástica mas isso não podia nos nutrir!
Apesar destes terríveis sofrimentos, posso dizer que nunca ouvi um judeu perguntar: “Onde está D’us? Porque Ele nos esqueceu?” Pelo contrário, fui testemunha de muitos milagres e de uma devoção sem limite dos judeus pela Torá e pelas Mitsvot. Alguns detidos guardavam um pouco de gordura da sua minúscula ração de sopa para poder fazer uma vela de Chanuca.
Em Sucot, os prisioneiros conseguiram construir uma pequeníssima Suca. Apesar do temor e do esgotamento, os judeus se levantavam às quatro da manhã para deixar suas cabeças escorregarem para dentro da Suca e dizer a bênção!
Em Pessach, “a festa da nossa libertação”, poderíamos nos perguntar o que havia para ser celebrado. O fato é que todo o barracão estava reunido para fazer o Seder. Não havia nem Matsá, nem vinho, nem alimento, nem livro de Hagada, o que fazer então? Cada um tentava lembrar o que podia e recitava de cor este ou aquele trecho da Hagada. Juntos reconstruímos o Seder, de cor!
Alguns instantes depois, as canções haviam atraído a atenção dos S.S.: como se pode cantar no inferno? Irritado, um guarda irrompeu no barraco. Cada um de nos correu para a tábua de madeira que lhe servia de cama. Mas assim que ele foi embora, voltamos para o Seder.
De novo o guarda abriu a porta berrando: “Se ouvir mais um barulho, os farei fuzilar todos!” Mas os deportados estavam determinados, tão forte era seu desejo de comemorar Pessach. Quando o guarda voltou pela terceira vez e viu o quanto os judeus estavam decididos, se retirou.
Posso lhes assegurar que todos os judeus participaram deste Seder. Todos não eram judeus praticantes mas ninguém disse: “Parem, estão fazendo muito barulho!” Não, todos participaram deste Seder!
Rabino Nissan Mangel